Arqueologia preventiva em Portugal: O tolo no meio da ponte?
A Arqueologia Preventiva será, com grande certeza, a especialidade da área que mais profissionais emprega, que maior número de dados arqueológicos produz, e talvez, a que envolva o maior grau de responsabilidades financeiras, com repercussões públicas e privadas, não só em Portugal, como também a nível europeu.
O Decreto-Lei n.º 164/2014 de 04 de novembro, vulgo Regulamento dos Trabalhos Arqueológicos, define quatro grandes categorias de enquadramento à autorização de trabalhos de Arqueologia em Portugal, interessando-nos, para o assunto em discussão os seguintes:
“Artigo 3.º
Os trabalhos arqueológicos enquadram-se nas seguintes categorias:
(…)
c) Categoria C – ações preventivas e de minimização de impactes integradas em estudos, planos, projetos e obras com impacto sobre o território em meio rural, urbano e subaquático e ações de manutenção e conservação regular de sítios, estruturas e outros contextos arqueológicos, conservados a descoberto, valorizados museologicamente ou não;
d) Categoria D – ações de emergência a realizar em sítios arqueológicos que, por ação humana ou processo natural, se encontrem em perigo iminente de destruição parcial ou total, e ações pontuais determinadas pela necessidade urgente de conservação de monumentos, conjuntos e sítios”
Mais se estabelece, nos artigos 40.º e 79.º da Lei n.º 107/01 que:
“Artigo 40.º
Impacte de grandes projectos e obras
Os órgãos competentes da administração do património cultural têm de ser previamente informados dos planos, programas, obras e projectos, tanto públicos como privados, que possam implicar risco de destruição ou deterioração de bens culturais, ou que de algum modo os possam desvalorizar.
(…)
Artigo 79.º - Ordenamento do território e obras
1. Para além do disposto no artigo 40.º, deverá ser tida em conta, na elaboração dos instrumentos de planeamento territorial, o salvamento da informação arqueológica contida no solo e no subsolo dos aglomerados urbanos, nomeadamente através da elaboração de cartas do património arqueológico.
2. Os serviços da administração do património cultural condicionarão a prossecução de quaisquer obras à adopção pelos respectivos promotores, junto das autoridades competentes, das alterações ao projecto aprovado capazes de garantir a conservação, total ou parcial, das estruturas arqueológicas descobertas no decurso dos trabalhos.
3. Os promotores das obras ficam obrigados a suportar, por meio das entidades competentes, os custos das operações de arqueologia preventiva e de salvamento tornadas necessárias pela realização dos seus projectos.
4. No caso de grandes empreendimentos públicos ou privados que envolvam significativa transformação da topografia ou paisagem, bem como do leito ou subsolo de águas interiores ou territoriais, quaisquer intervenções arqueológicas necessárias deverão ser integralmente financiadas pelo respectivo promotor.”
Tendo o Estado como entidade tutelar responsável pela regulamentação de todo e qualquer projeto que implique impacte sobre o património arqueológico, identificado ou presumido, e o promotor na figura de poluidor-pagador, a Arqueologia Preventiva é muitas vezes encarada, pelo último, como um custo acrescido, um entrave à produção, deixando, não raras vezes, os arqueólogos responsáveis pelos trabalhos preventivos como “os tolos no meio da ponte”, isto porque assumem o papel da fiscalização regulamentada pelo estado para o património, bem público, custeados pelo promotor do impacte.
A resolução deste aparente antagonismo reside nas soluções de compromisso que, devidamente articuladas com todos os agentes e intervenientes, permitem que se conheça, registe e se preserve o património e a memória que nos pertence a todos.
E porque é que isto importa afinal?
Porque em última análise, nenhum de nós vem do nada e são os elos dos vários passados que nos unem em sociedade, a qual tem como herança comum o património cultural, e sem a qual perderia justificação a continuidade das obras e projetos que vão desenhando o mundo como o vemos e que, também pela ação da Arqueologia Preventiva, nos vão permitindo compreender o mundo como antes foi.
Mafalda Alves
Arqueóloga RIPORTICO